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Laura Davidson @ Unsplash

Feriados nacionais

Temos feriados a mais? Duas deputadas socialistas parecem achar que sim.

Publicado Sunday, May 23, 2010 at 4:57 PM

Ficou a saber-se, na semana que passou, que duas deputadas da bancada socialista, Teresa Venda e Maria do Rosário Carneiro, vão apresentar uma proposta para reduzir o número de dias de feriados nacionais. Pelo que se pode ler nos jornais, a proposta passaria por cortar em dois feriados civis e dois religiosos, encostar todos os feriados ao fim-de-semana mais próximo, e ainda acrescentar um novo feriado, o Dia da Família, no dia 26 de Dezembro. Ainda segundo os jornais, os feriados a cortar seriam o 5 de Outubro e o 1 de Dezembro, do lado dos civis, e o Corpo de Deus e o Dia de Todos os Santos, do lado dos religiosos. No entanto, já li em vários sítios que estes quatro seriam apenas um exemplo. A veracidade está por apurar, mas também não vem ao caso.

Palmira F. Silva, que, para quem não sabe, é ateísta militante, insurge-se, nesta posta, contra a proposta. Diz, entre outras coisas, que a proposta tem uma agenda oculta, que é a “facadinha na 1ª República”, e segue, concluindo que mais valia eliminar também a Assunção e a Imaculada Conceição; o que, digo eu, deixaria de ser uma facadinha na 1ª República para passar a ser uma facadinha na ICAR, que é, afinal, o que verdadeiramente interessa a Palmira F. Silva.

Facadinhas à parte, não tenho nada contra a opinião, per se. Os católicos praticantes, praticam, e os ateístas militantes, militam. Como católico não-praticante-é-demasiado-complicado-de-explicar, raramente concordo com as postas de Palmira F. Silva, mas, desta vez, até tem alguma razão. Só que não foi longe o suficiente. Nestas coisas, ou há moralidade, ou comem todos.

Em primeiro lugar, é preciso enquadrar a Igreja Católica Apostólica Romana em Portugal. Em contas da própria ICAR, os católicos praticantes são cerca de 20% da população. No último census identificaram-se como católicos 85% dos portugueses, mas que os ateístas normalmente descartam com a argumentação que aquela coisa do católico não-praticante é uma treta. Mas não é bem assim. Embora eu possa admitir que muitos desses não-praticantes não devem ser levados em conta, muitos há que, apesar de não participarem nos rituais, como eu, são ainda católicos, observando, nomeadamente, os feriados religiosos. Como tal (e os 20% chegavam para isso, mas a bem da argumentação, vamos partir do princípio que 50 a 60% da população é católica) a ICAR é a religião organizada dominante e absolutamente maioritária em Portugal. Nessa qualidade, penso que seria autista de um país laico não fazer certas cedências à mesma – assim como exigir algumas contrapartidas, mesmo que pouco tangíveis, como trabalho social.

Em segundo lugar, muitos dos feriados civis estão ligados a um sentimento de patriotismo que poucos sentem hoje em dia – a menos que envolva futebol – ou à República, que ainda está por provar que seja o sistema governativo ideal. Os monárquicos portugueses não são tão poucos como isso. E as pessoas (sobretudo as mais jovens) que saibam o que é que representa 1 de Dezembro ou 5 de Outubro… bem, é fazer umas entrevistas nos centros comerciais nesses dias.

Em terceiro lugar, para muitos trabalhadores portugueses, os feriados são uma treta, porque estão a trabalhar à mesma. Eu trabalhei cinco anos numa grande superfície; digamos que só por uma vez pude assistir às comemorações do 25 de Abril. Os únicos dias em que (quase) tudo encerra, de facto, são 1 de Janeiro, 1 de Maio e 25 de Dezembro.

Nessa posta de Palmira F. Silva que linquei, acabei por sugerir algo que me saltou dos dedos de repente, mas que, a sermos honestos, faria mais sentido do que o disparate sugerido pelas duas deputadas: acabar com todos os feriados, civis ou religiosos, em troca de uma contrapartida, em dias de férias extraordinários, aos trabalhadores, a gozar nos dias historicamente relacionados ao feriado correspondente, podendo ser acumulados com dias de férias convencionais, para o mesmo efeito das pontes actuais. Inicialmente sugeri 7 dias nessas condições (hey, eu disse que me saltou dos dedos de repente), mas é capaz de ser, até, excessivo.

Para colocarmos em perspectiva de que é que estamos a falar, em concreto, vamos sumariar os feriados actuais, separados em três categorias: feriados civis, feriados religiosos e feriados de relevância social e cultural cuja motivação não possa ser intrinsecamente ligada à religião. Os mais atentos poderão reparar na falta da Páscoa: ora, como é sempre ao Domingo, é irrelevante para esta discussão.

Feriados religiosos

  • Sexta-feira Santa – Feriado móvel, sempre à sexta-feira (lógico). Celebra-se a Paixão de Cristo;
  • Corpo de Deus – Feriado móvel, sempre à quinta-feira;
  • Assunção de Maria – Celebra-se a 15 de Agosto a assunção de Maria, mãe de Jesus, aos céus;
  • Dia de Todos os Santos – Celebra-se a 1 de Novembro. Apesar do Dia dos Fiéis Defuntos ser apenas no dia 2 de Novembro, o dia 1 assume-se como tal, de facto;
  • Imaculada Conceição – Celebra-se a 8 de Dezembro. Dia de Maria, mãe de Jesus, padroeira de Portugal desde 1646. Historicamente, celebrava-se também o dia da Mãe (hoje em dia, primeiro Domingo de Maio). Algumas pessoas ainda o celebram como tal;
  • Dia de Natal – Celebra-se a 25 de Dezembro, nascimento de Jesus Cristo.

Feriados civis

  • Dia da Liberdade – Celebra-se a 25 de Abril o golpe de estado que, em 1974, derrubou a ditadura;
  • Dia do Trabalhador – Celebra-se a 1 de Maio;
  • Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades – Celebra-se a 10 de Junho;
  • Implantação da República – Celebra-se a 5 de Outubro. Historicamente, também a assinatura do tratado de Zamora, em 1143, onde Afonso VII de Leão e Castela reconhece Portugal como reino independente;
  • Restauração da Independência – Celebra-se a 1 de Dezembro o golpe que, em 1640, restaurou a independência de Portugal, acabando com a dinastia Filipina.

Outros feriados relevantes

  • Dia Mundial da Paz, Ano Novo, Dia de Santa Maria – Celebrado a 1 de Janeiro. Apesar de ser definido como feriado religioso, a relevância cultural deste feriado é pouco conotada com as celebrações da Igreja Católica. A desaparecer este feriado, não me parece que aumentasse a produtividade do país. A ressaca é do caraças…
  • Entrudo, Carnaval – Feriado móvel, sempre a uma Terça-feira. Na realidade, nem é feriado, embora, que eu saiba, (quase) sempre tenha sido decretada tolerância de ponto. Pode ser encarada como festa religiosa, marcando o início da Quaresma, mas não é, actualmente, conotada como tal.

Posto isto, vamos definir quais os feriados verdadeiramente inultrapassáveis.

Começando no início do ano, o dia de Ano Novo será relevante. Como disse acima, as capacidades dos trabalhadores estarão, no mínimo, embotadas, pelo que mais vale ficarem em casa, mesmo.

O Dia do Trabalhador seria mau de mais retirar. Constituiria uma total falta de respeito para com os trabalhadores que o seu próprio dia não fosse feriado.

O dia de Natal também não faz sentido remover, visto que a quantidade de pessoas que o celebram como festa familiar ultrapassa, largamente, a ligação ao Cristianismo.

Finalmente, um dos dias ligados à nacionalidade teria que ficar, e eu propunha que fosse o apropriadamente chamado Dia de Portugal e das Comunidades (deixemos Luís de Camões um bocadinho em paz).

Quatro feriados absolutamente intocáveis, portanto.

Todos os outros passariam para tolerâncias de ponto em regime facultativo, num total de dias a definir, em que os trabalhadores escolhessem quais os que queriam observar. Para podermos definir a quantidade de dias, temos portanto de verificar quantos dos 9 feriados restantes, 5 religiosos, 3 civis e o Carnaval, calham à semana, em média. Fazendo os cálculos para os próximos 400 anos (os dias da semana no calendário gregoriano são os mesmos, no máximo, a cada 400 anos), ficamos a saber que existem, em média, 7,3 dias feriados à semana, por ano. Os religiosos são 4,1 e os civis, 2,1. A moda é de 7, 4 e 2, para o total, religiosos e civis, respectivamente. A Terça-feira de Carnaval foi tratada à parte, contando apenas para o total, não correspondendo nem aos religiosos, nem aos civis.

Podemos ver, agora, que a minha sugestão inicial era demasiado optimista – ou melhor, que não se lucrava absolutamente nada a longo prazo. Podemos também ver que os feriados religiosos serão muito mais afectados, o que deixará satisfeitos os ateístas militantes, em geral, e Palmira F. Silva, em particular.

Enfim, e para rematar, proponho o seguinte:

A abolição de todos os feriados actuais, com a excepção de 1 de Janeiro, 1 de Maio, 10 de Junho e 25 de Dezembro. Todos os outros feriados actuais serão contemplados num novo regime de dias de férias extraordinário, a acrescentar aos 22/25 dias actualmente consagrados na lei, composto por 4 dias, a gozar, forçosamente, nos dias dos feriados actuais que o trabalhador quiser observar, sem prejuízo de poder acumular dias de férias ordinários, antes ou depois desses mesmos dias, e sem prejuízo para os direitos do empregador, sendo os casos de conflito resolvidos como os dias de férias ordinários, marcando, cada parte, metade desses dias.

O país ganha 3 dias de produtividade, em média, podendo chegar aos 5. As empresas, e o funcionalismo público, ganham em flexibilidade.

Para que deputado posso enviar isto?

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